(...) O primeiro remédio que dizíamos, é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera? São as afeições como as vidas, que não há
mais certo de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que tanto mais continuadas, tanto
menos unidas. Por isso os Antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque
não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que
o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira;
embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não
via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta dife-
rença, é porque o tempo tira a novidade às cousas, descobre-lhe defeitos, enfastia-
lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro
com o uso, quanto mais amor? O mesmo amor é a causa de não amar, e o de ter
amado muito, de amar menos.
VIEIRA, Antônio. Sermão do Mandato. In: Sermões. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1980.
Sobre a fotografia: em primeiro plano, desfocado, dois exemplares do século XVIII da obra Reino da Babilônia Vencido pelas armas do Empíreo, de autoria de Leonarda Gil da Gama, escritora portuguesa. Os dois exemplares encontram-se no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, onde os segurei em mãos (15 a 19/07/2018), e senti a ação do tempo sobre eles. Dias bons.
Breves considerações sobre nada
"nada de novo debaixo do Sol."
"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."
09 outubro 2018
20 abril 2015
10 junho 2014
Ela escondia o rosto entre as mãos, para chorar.
Não soluçava.
Esfregava bem os olhos com os nós do dedo indicador
e sorria para quem estivesse ao lado:
"É tanta poeira!"
Um coração dilacerado pela solidão dos abraços vãos,
dos beijos jogados ao vento, desperdiçados pelas faces vis.
Ela escondia o rosto entre as mãos, para chorar.
E soluçava ao se perceber sozinha.
No à vontade de sua sozinhez
era bom contemplar o nó na garganta se desfazendo,
o rosto lavado com água e sal,
os olhos vermelhos, a pupila dilatada.
Ela chorava e se sentia bem.
Até quando chorar seria parte dela?
Até quando não chorar chegaria a ser opção?
Até quando?
13 fevereiro 2014
03 maio 2013
Noivas
As noivas de maio
fotografam na estaiada
de frente para a favela.
Manter a tradição faz parte
dos seus genes.
As noivas de maio
fecham, para o beijo, os olhos,
que permanecem fechados
às reais necessidades
expostas às mãos abertas.
O perfume, o sapato,as meias,
luvas esbanjam caprichos,
exibem vontades,
ostentam o gosto fabricado no mercado
e estampado nas revistas.
As noivas de maio, cheias de si
mal ouvem as prédicas do padre
ou as recomendações legais
do juiz de paz.
Importa mais a pontualidade do chofer (!!).
As noivas de maio não poupam glacê
seja no bolo, seja nas mechas.
E se confortam em saber que as sobras (havendo...)
poderão ser, gentilmente,
repassadas a suas criadas ou enviadas em tigelas
para aquele parente distante.
As noivas, durante todo o ano,
limparão a alma ao ajudar
aquela instituição de caridade,
ao depositar o dízimo,
ao dar a esmola para o garoto no sinal.
As noivas merecem, sem merecer,
uma festa em que esqueçam
a verdadeira miséria do mundo,
sem perceber a pobreza que
as sufoca no branco véu.
17 novembro 2012
16 novembro 2012
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