"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

28 abril 2010

sobre o tudo e o nada

Sonhei que caminhava feliz por uma praça verde e florida. A brisa que acariciava meu rosto contornava meus colegas que conversavam abrigados pela sombra de uma centenária mangueira. Todos se distraíam com suas famílias e amigos enlevados pelo mesmo gosto matinal domingueiro.

Éramos todos professores e, embora fosse domingo, todos estavam na rua a aproveitar o descanso merecido, longe de suas casas. Não havia lembrança de provas e trabalhos a corrigir, pois não havia provas ou trabalhos a corrigir. E não por que não os tínhamos passado aos alunos, é que durante a semana, toda a atividade docente era cumprida: nenhum de nós tínhamos que trabalhar 3 turnos para dar conta do serviço.
Conversávamos sobre a vida, sobre nossas paixões, sobre coisas que nos impulsionavam a seguir adiante, sobre nossos filhos e nosso futuro.

Num misto de felicidade e saudade, lembrávamos do tempo bom em que decidimos ser professores: alguns lembravam a rotina corrida dos pais, mas logo lembravam do reconhecimento que recebiam daqueles que ajudaram a crescer. Ninguém comentava salários, pois há muito ficara para trás a realidade miserável dos primeiros professores. Esse passado negro, tão distante, era motivo de respeito e até de algumas lágrimas. A vida dos nossos pais foi exemplo e pesou na hora da escolha: seríamos tais quais eles.

E éramos cumprimentados a cada esquina que percorríamos pelos pais dos nossos alunos que nos agradeciam por todo o trabalho e dedicação a eles, seus filhos. Recebíamos menção honrosa pelos préstimos de maior destaque, pelos projetos elaborados... é claro que injustiças aconteciam, pois eram tantos os bons projetos que não se sabia ao certo qual escolher. Mas isso não era motivo para desavenças... Todos teriam a sua vez.

Nossos filhos seriam também professores: era o sonho de todos. Tínhamos o privilégio de trabalhar com nossas habilidades e afinidades de conhecimento. Queríamos a mesma felicidade para os nossos. Não havia estresse ou depressão, nossos alunos, aplicados, nos ajudavam nas aulas e os mais inquietos, pelo menos, nos respeitavam. Éramos felizes, pois estávamos realizados, recompensados e reconhecidos. A aposentadoria não nos fascinava, nem outra qualquer profissão.

Por conta do desenvolvimento educacional, não havia mais tantos policiais nas ruas, empunhando suas armas, pois não havia mais miséria, exatamente por não haver mais necessidade de práticas ilícitas para a sobrevivência: as pessoas estudavam, tinham uma profissão e trabalhavam para si. Os advogados não faziam mais plantões nas portas das cadeias e os juízes não julgavam, realizavam acordos, ouviam as partes e não aceitavam mais propinas. Os delegados quase não tinham mais diligências, e as celas quase vazias, guardavam homens em processo de ressocialização. Os médicos e as enfermeiras também não tinham mais tantas urgências a atender: as pessoas não se violentavam mais, pois começaram a entender que somos todos diferentes. Os jovens aprenderam a dirigir e se conscientizaram de que a vida é breve. Os motoqueiros não mais faziam manobras perigosas, não tinham mais tanta pressa, pois entenderam que mais vale sair uma hora antes... E tudo isso por conta do correto desempenho do nosso papel: educar. Por isso, as pessoas eram tão gratas. Mudamos nossa realidade.

Mas era sonho. Acordei. O ponteiro acusava uma hora de atraso e eu precisava ir para o centro de formação de professores, senão o corte do meu ponto não me deixaria pagar a fatura atrasada e estourada do cartão de crédito. Pulei da cama, joguei-me água e corri à parada de ônibus. Cheguei já no segundo momento da formação e, qual não foi minha surpresa: quando abro a porta, um superintendente, vestido de prefeito, anotava R.G e C.P.F. dos professores que dormiam demais e sonhavam demais em melhorar o mundo.

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