"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

31 dezembro 2010

2011

que 2011 seja. que ele ultrapasse os planos e se faça na vida de cada um que sonha e realiza.

***

que deixe coisas pequenas na poeira do passado, detrás daquela porta que em breve estará fechada.

Receita de Ano Novo




Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)



Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.



Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

30 dezembro 2010

para 2011



leveza

viver: por Calligaris V

"Talvez haja covardia em não conseguir declarar que um amor terminou, assim como talvez haja covardia na incapacidade de escutar essa declaração. Há a covardia de quem some e também de quem sobra, quando ambos parecem precisar do sumiço de um dos dois para aceitar que a história chegou ao fim.

Há covardia também em fingir que a relação continua, quando ela já morreu. Alguém, aliás, pode sumir para fugir de sua própria covardia, que o mantém calado, ou para fugir da covardia do outro, que não quer ouvir uma frase de despedida.
(...)

Seja como for, muitas vezes, alguém acaba uma relação e some porque o que era (e talvez ainda seja) seu desejo se transformou numa exigência intolerável.

(...)

Meu voto para o Ano Novo: que nos preocupemos menos em mudar nossas vidas e encontremos jeitos de conseguir desejar o que já desejamos sem transformar nosso desejo em obrigação."

http://contardocalligaris.blogspot.com/

29 dezembro 2010

O segundo sexo - Simone de Beauvoir



É bem mais fácil ser uma mulher que obedece regras preestabelecidas do que ser aquela que cria as próprias regras.

"No momento em que as mulheres começam a tomar parte na elaboração do mundo, esse mundo é ainda um mundo que pertence aos homens. Eles bem o sabem, elas mal duvidam. Recusar ser o Outro, recusar a cumplicidade com o homem seria para elas renunciar a todas as vantagens que a aliança com a casta superior pode conferir-lhes. O homem suserano protegerá materialmente a mulher vassala e se encarregará de lhe justificar a existência: com o risco econômico, ela esquiva o risco metafísico de uma liberdade que deve inventar seus fins sem auxílios. Efetivamente, ao lado da pretensão de todo indivíduo de se afirmar como sujeito, que é uma pretensão ética, há também a tentação de fugir de sua liberdade e de constituir-se em coisa. É um caminho nefasto porque passivo, alienado, perdido, e então esse indivíduo é presa de vontades estranhas, cortado de sua transcendência, frustrado de todo valor. Mas é um caminho fácil: evitam-se com ele a angústia e a tensão da existência autenticamente assumida."

ser ou não ser: eis a questão.



doente é a mente de quem pensa que o homem é um ser estanque e sem o mínimo de subjetividade a ponto de nunca mudar de opinião só por que deus quer que seja assim.

Em Hamlet, Shakespeare empresta uma excelente reflexão sobre "ser" à jovem, porém sábia, Ofélia. E ela acentua exatamente a dicotomia essência/aparência. Quantas vezes já nos deparamos com pessoas tão moralistas no discurso e tão pouco éticas e retas nas atitudes? Julgar os outros é muito fácil. Difícil é olhar pra dentro e admitir a podridão dos próprios sentimentos.

"Meu bom irmão, não faças como alguns pastores impostores que ensinam o áspero e espinhoso caminho do céu, enquanto, fazendo pouco caso dos próprios juramentos, libertinos jactansiosos e indiferentes, pisam na senda florida dos prazeres, distantes da própria doutrina que proferiram."

Imagem: Ophelia (1851–1852), pintura a óleo de autoria do artista inglês John Everett Millais.

28 dezembro 2010

3x4



Por que a fotografia 3x4 da carteira de identidade incomoda?
Apesar de perseguirmos a vida estável, sentimos a necessidade constante de mudança. Mudar, para muitos, significa evoluir. E a fotografia no R.G. guarda, congelada, uma vida que já passou, qual fruta que cai do pé.
A fotografia no R.G. nos lembra, a todo momento, o quanto fomos imperfeitos, situação pretensamente distante da atual em que sempre será melhor, pelo menos visualmente, nossa aparência e, às vezes, nosso caráter.
A fotografia do R.G. apresenta-nos aos outros de uma maneira tão terrível que a escondemos como uma mancha, como uma nódoa.
E ai de quem ousar abrir essa caixa de pandora sem nosso consentimento.

amor próprio



"Sem o amor-próprio nenhuma vida é possível, nem sequer a mais leve decisão, só desespero e rigidez."

Hugo Hofmannsthal

Escultura: Impassibilidade. Auguste Puttemans (1866-1927), escultor belga. Obra pertencente ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Quatro faxinas que você precisa fazer antes de acabar o ano




"Não se contente com aquilo que não está bom. Mas acredite que o primeiro coração que deve estar forte, nutrido e ser amado é o seu. Assim, invista no seu amor-próprio.

http://estilo.uol.com.br/comportamento/ultnot/2010/12/27/quatro-faxinas-que-voce-precisa-fazer-antes-de-acabar-o-ano.jhtm

25 dezembro 2010

Noite feliz

Vesti a calça jeans, camiseta branca, calcei uma sandália e saí. Eram onze horas da noite e eu saía pela rua como se onze da manhã. Saí por não agüentar a casa repleta de vozes, corpos e conversas que eu não conseguia distinguir. Minha presença não fazia diferença.

Segui até o mirante deserto. Subi as escadas e, enquanto subia olhava para baixo, tentando distrair-me com alguém que passava, mas tudo o que vi foi um cachorro deitado na praça, creio que dormia, tão quieto estava. Subi, cheguei ao topo, deitei. Olhei para o céu e senti as estrelas perto de mim, o céu, quase colado ao meu peito, sem lua e o cheiro bom da madrugada chegando.

Tentei não pensar, mas sempre lembrava algo e me perguntava a razão de existir. Era Natal e eu ali. Sozinha, iluminada pelas luzes do mirante, o enfeite de Natal. Deixara minha casa, os convidados, as comidas e as bebidas. Precisava de paz. Sozinha, remoia o passado sempre presente e sentia angústia por não me compreender. No Natal, todos esperam a ceia, meia hora depois, saem de volta para suas casas, em qualquer outro lugar. E o que fica? Louça suja.

Não sentia vontade de chorar nem de voltar para casa. Só queria estar ali o tempo necessário para me encontrar e o remédio para a dor que eu sentia. Logo, logo amanheceria e eu continuaria com a mesma dor e ainda teria que voltar para casa. Sozinha.

Começo a me convencer de que somos sós. Amamos gratuitamente, suamos e batalhamos para nós e a vida acaba sendo um jogo que você joga sozinho. A casa estava cheia e eu só. Agora estou vazia ao meu redor e cheia de mim aqui dentro. Estou cansada, mas não tão entorpecida que me faça dormir. Quisera ter o sono pesado para não pensar e dormir sem sonhar.

Meia-noite ouvi “Noite feliz” bem longe. Saberia aquela mulher o que a cantiga quer dizer? Repetimos como papagaios uma ladainha sem sentido. Quisera ter a ignorância da maioria, talvez estes questionamentos não existissem em mim. Dói pensar. Sou medíocre, mediana, tudo pela metade: a vida, os sonhos, os projetos. Tudo artificialmente colorido, e o miolo se esconde incolor.

Quisera ser o cachorro dormindo quieto na praça. Sem se incomodar com a noite feliz, sem sentir o ronco da sua barriga, as pulgas a sugar seu sangue anêmico. Seria ele satisfeito com o que tinha? Seria tão infeliz quanto eu? Seria tão injusto quanto eu?
Os primeiros raios de sol iluminavam o cantinho de céu, o cheiro bom da madrugada há muito tinha se ido e tivera eu a impressão de que acabara de chegar e deitar.

Levantei, olhei para baixo e uma vertigem me fez segurar firme a barra de ferro em que me apoiava. Fechei os olhos e tornei a abri-los bem devagar. Olhei a praça e lá estava o cachorro: tranqüilo e deitado no mesmo lugar. Desci devagar, olhando os degraus. Ninguém por perto, nem no mirante, nem na rua que dividia a praça. E o cachorro lá. Fui em direção a ele, parei ao seu lado e ele não acordou. Bati o pé e nada. Estava tão doce sua expressão... Estava morto.

23 dezembro 2010

dois

quero alguém que me queira tanto
a ponto de me provar que vale a pena
remendar minha alma.

alguém que me queira tanto
a ponto de desfazer meus defeitos
como desfaria o simples laço do meu vestido.

alguém que me queira tanto
a ponto de me guardar e
cuidar dos meus olhos como se fossem seus.

alguém capaz de construir pontes
entre nossos mundos e derrubar qualquer parede,
muro ou fortaleza entre nós.

alguém que, mesmo distante, se faça presente
ao lembrar um botão ou agulha,
mesmo nas maiores lonjuras.

alguém sem medo da entrega, do desconhecido.
alguém disposto a ser dois em um e
em cada um, ao mesmo tempo, dois.

22 dezembro 2010

sobre o amor e o tempo

(...)
O primeiro remédio que dizíamos, é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera? São as afeições como as vidas, que não há mais certo de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que tanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os Antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou natureza,o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às cousas, descobre-lhe defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais amor? O mesmo amor é a causa de não amar, e o de ter amado muito, de amar menos.
(...)

Antônio Vieira (1608 - 1697), jesuíta português.

La maison en petits cubes



Curta metragem vencedor do Óscar de melhor curta animação em 2008. Dirigido por Kunio Katô, La Maison en petits cubes também ganha mérito pela trilha sonora de Kenji Kondo.

O curta mostra a importância de uma vida bem vivida no período jovem/adulto para nosso possível futuro: a velhice. O que resta são lembranças e quando são boas, fica bem mais fácil conviver com a solidão.

21 dezembro 2010

A arte da prudência

LXXXIX
Compreensão de si:
no gênio, no engenho, em ditames e afetos. Não pode ser senhor de si quem antes não se compreende. Há espelhos do rosto, não os há da alma; seja-o a discreta reflexão sobre si; e, quando alguém se esqueça da imagem exterior, conserve a interior para emendá-la, para melhorá-la. Conheça cada um a força de sua prudência e sutileza para o empreender; pondere cada um seu afã para empenhar-se; meça cada um seu fundo e pese seu cabedal para tudo.

Baltasar Gracián(1601-1658), jesuíta espanhol.

18 dezembro 2010

quem quer?

quem sabe cantar a cor do dia?
eu não sei
e sei que nunca saberei.

quem sabe conter o choro e a dor?
eu não sei
e sei que nunca saberei.

quem sabe, roto de esperanças,
olhar verde
e respirar branca paz em meio a destroços?

quem sabe, aprendiz humilde de pequenas coisas vitais,
olhar outras vidas diversas da sua
e admirar outro rosto que não o seu?

quem sabe olhar, ver, compreender
a beleza do inexato, da incerteza, da escuridão
que guia nossos passos pelo mundo?

quem está disposto a provar o sabor e saber
que a vida não é como quiseram,
rosa projetada no jardim?

quem quer olhar a estrada, além daquilo que ela mostra?
quem quer acordar para outros sentimentos e, no calor da vida,
pintar novas cores, sentir outros toques
e espalhar novos aromas? quem quer?

15 dezembro 2010

Dissolução



Escurece, enão me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.

E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.
Braços cruzados.

Vazio de quanto amávamos,
mais vasto é o céu. Povoações
surgem do vácuo.
Habito alguma?

E nem destaco minha pele
da confluente escuridão.
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.

E aquele agressivo espírito
que o dia carrega consigo,
já não oprime. Assim a paz,
destroçada.

Vai durar mil anos, ou
extinguir-se na cor do galo?
Esta rosa é definitiva,
ainda que pobre.

Imaginação, falsa demente,
já te desprezo. E tu, palavra.
No mundo, perene trânsito,
calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.

Poema: Carlos Drummond de Andrade (Claro Enigma)
Imagem: La femme et le roses, Marc Chagall

sobre poetas pequenos poetas

quem se angustia com o esconderijo de uma rima e não consegue completar sua existência não pode se chamar poeta. o poeta é criador de impossíveis: gerar mundos improváveis é sua sina.
se se contentar com o mundo e com tudo o que nele existe fosse destino de poetas, precisaríamos de mentes tolas para equilibrar tanta idiotice que haveria no mundo.
não fujo dos meus demônios:
conheço um a um pelo nome.
de que adianta incendiar,
se a tempestade sempre vem
e rebrota verde
por todo canto,
no recôndito mais longínquo?

conheço meus demônios um a um
e se os matar,
talvez mate um pouco minha inocência
e meu desejo de brincar com o proibido,
expôr as asas ao corte.
matá-los não seria solução.
seria, talvez, apenas versos
de uma canção,
rimas de um poema banal.

12 dezembro 2010

a fotografia e fotos na estante

os dois posts anteriores são o resultado de um elo que acabei de fazer. a música do skank (que acabei de ouvir na fm) me fez lembrar esse contículo meu. há muito o escrevi, em terceira pessoa, com eu lírico masculino: minha forma de tentar compreender algumas atitudes masculinas (se bem que algumas delas se excluem de explicações e compreensões.)
quem, um dia, é deixado, só quer explicações. nada mais. embora não haja nada que explique o amor, a fuga, a falta de amor...

"nosso amor quebrou como objeto"

a fotografia

Logo que entrou na sala percebeu o porta-retrato vazio em cima do sofá. Foi em direção ao quarto, abriu a parte dela no guarda-roupa: também estava vazia. Exceto por uma aranha que prendia em sua teia uma traça. Desfez a teia com o dedo e matou a aranha com a palma da mão. Sentou na cama e fitou o chão, o gaurda-roupa, o espelho... esperando perceber algo esquecido para poder ter a desculpa de procurá-la.

Quis chorar, quis gritar, quis ligar para ela e dizer desaforos, ameaças, pedir para ela voltar. Voltou à sala, ligou a tv, segurou o porta-retrato deitou-se no sofá, assistiu a última programação e dormiu a segurá-lo. Na manhã do outro dia ainda se fazia chuva e o frio congelava os ossos. Arrumou a casa como fazia sempre antes, guardou o vazio na última gaveta da estante. Decidiu viver e esperar o dia.

Os dias passam e com eles os ventos, os meses, as chuvas. Ela voltou. Sem a mala que levara, mas voltou. Tinha esquecido algo, não sabia onde. Um vestido. Foram procurar, e no lado dele (o dela continuava vazio desde o dia) lá estava uma renda alva empacotada em um transparente, embaixo de vários outros pacotes.

Ela chorou, gritou, disse desaforos, ameaças, pediu para voltar. Ele abriu os braços. Naquele dia os dois dormiram como há muito não dormiam e sonharam e sorriram e fizeram o que jamais haviam feito. Ela trouxe de volta tudo o que levou embora, menos a fotografia dos dois no dia do casamento.

Ele perdoou e colocou outra fotografia e o levou à prateleira mais alta da estante, mas o que era cicatriz se abriu em flor e verteu nectar em sangue e o que era uma dor longe, só lembrança, voltou ao latejar dos primeiros dias. Um dia, bem cedo, ele preparou a bandeja do café com tudo o que ela gostava, uma rosa e um bilhete.

Ele, que não fumava, não voltou mais. Levou somente a roupa do corpo e deixou na casa tudo o que era dela.

fotos na estante



Sem mais nem menos
Sem remédio, sem desculpa
Em horas tortas
Horas tímidas, ocultas
Pelas esquinas
De olhares indiscretos
O nosso amor
Amor claro de objeto
Sem dor ou crime
Amor simples e direto
Entre os pássaros de barro descansando na estante
Pelas costas amarelas dessas fotos insinceras
Descobri lindas mentiras tão terríveis quanto belas
Digo o que fazer então, são memórias tão reais
Do que nunca aconteceu

Desenhei miragens tolas
Nas margens do seu deserto
E uma verdade impossível
Só pra ter você por perto.

Skank

Nel mezzo del camin...



Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

Olavo Bilac

Este soneto deu origem ao poema irônico de Drummond: No meio do caminho... Os motivos modernistas para "zoar" com os parnasianos eram legítimos. Isso, de certo modo, é incontestável. Mas incontestável também é a beleza do soneto de Bilac: de fato, é um pequeno som, mas muito belo e profundo, principalmente por conta das reflexões sugeridas sobre chegadas e partidas, enlaces e desenlaces vividos por qualquer um de nós nesse "caminho extremo". Além das origens dantescas, é claro.

Escultura do italiano Antonio Canova, Eros e Psiquê (1793).

relação conturbada

11 dezembro 2010

venha ver o pôr do sol



"Ah, Raquel, olha um pouco para esta tarde! Deprimente por quê? Não sei onde foi que eu li, a beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da tarde, está no crepúsculo, nesse meio-tom, nessa ambiguidade. Estou lhe dando um crepúsculo numa bandeja e você se queixa."

trecho da fala do personagem Ricardo do conto Venha ver o pôr do sol de Lígia Fagundes Telles.

imagem: pôr do sol às margens do rio Marataoã, na cidade de Barras-PI.

assim caminha a humanidade - por Milo Manara



Milo Manara (1945)- desenhista italiano mais conhecido pela vertente erótica da sua obra.

Freud explica...

08 dezembro 2010

liberdade na vida é...

ter um amor pra se prender.

Fabrício Carpinejar

Diretamente da Pó dos Livros

Pesadelo de criança

Na minha infância acontecia-me não pregar olho durante várias noites, tinha a sensação de que o tempo se concentrava todo em mim, como se o presente se perpetuasse e permanecesse eterno. Ficava ali, deitado, pressagiando a desgraça que me esperava. Agora adulto, continuo a não pregar olho e durante várias noites repito as sensações da minha infância, apesar de saber que: «uma infelicidade pressagiada é dez, cem vezes mais dura de suportar do que uma infelicidade que não esperávamos». *

Jaime Bulhosa

* E. M. Cioran

http://livrariapodoslivros.blogspot.com/

05 dezembro 2010

você dormia



lembro uma noite:
você dormia, eu lia.
num quarto de hotel,
a cama apertada
comportava seus sonhos
e meus livros.

era bom ouvir
sua respiração calma.

eu te olhava,
você dormia.
eu te amava,
você dormia.
eu gritava,
você dormia.

eu suplicava amor,
você continuava a dormir
e sonhava que me fazia feliz,
enquanto eu tecia
minha manhã
pobre de andorinhas.

03 dezembro 2010




"E veio, veio à tarde, sem as palavras de Romeu, sem as ideias, ao menos de toda a gente, vulgar, casmurro, quase sem maneiras; veio, e Cecília, que almoçara e jantara com Romeu, lera a peça ainda uma vez durante o dia, para saborear a música da véspera. Cecília apertou-lhe a mão comovida, tão-somente porque o amava. Isto quer dizer que todo amado vale um Romeu. Casaram-se meses depois; têm agora dous filhos, parece que muito bonitos e inteligentes. Saem a ela."

Último parágrafo do conto Curta História, de Machado de Assis. Mais um que compreende "o que querem as mulheres". Ou seja, nem tudo está perdido... (ops! Machado já morreu!!!! Acho que tudo está perdido sim...)

Vale a pena conferir o texto na íntegra.

02 dezembro 2010

A dor é inevitável. O sofrimento é opcional



"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável. O sofrimento é opcional."

Carlos Drummond de Andrade