"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

16 novembro 2012

Charneca em flor

Um flagrante da liberdade

Bem que se quis...

Quisera ser outra e amar sem adversativas em minhas orações. Quisera ser outra e me deixar levar sem pesar ou ponderar o imponderável. Quisera ser outra e não marcar com ferro em brasa a delicadeza dos ouvidos. Quisera ser outra e atravessar o silêncio da ausência, ostentando um pedido de paz nos lábios. Quisera ser outra e olhar nos olhos para dissipar a ira injustificada. Quisera ser outra e procurar uma mão antes que o escuro me consuma. Mas o mundo me quis inapta para o demasiado humano. E me mostro esta: um cacto sobre lajedos. Nascida na aridez, cultivada na dureza, regada a fogo. A mais tenra e generosa chuva arrancaria minhas raízes. Precisaria mais do que um bom jardineiro para me resgatar. Para me salvar de minha aridez seria preciso mais do que amor. Para me salvar de mim é preciso cultivar a crença nas coisas improváveis, Regar com lágrimas a semente do intangível.

17 março 2012

Autopsicografia



Agregou muito do seu nome
à personalidade: Rocha.
O que é sólido,
firme,
resistente.

E assim, viveu na certeza
da inquebrantabilidade,
atravessando mares, céus e estradas,
enfrentando chuvas, ventos, estiagem.

Esqueceu de contar com o tempo,
esse devorador de todas as coisas,
e não notou que foi se transformando
num subproduto de sua essência pétrea.

Nada mais que areia: foi o que restou
daquele que era sólido,
firme,
resistente.

Como um dia disse Marx: A solidez se deixa carregar pelo vento...

Elegia ao Homem do Século XXI



Para São Francisco de Assis

O homem do futuro exige paz em sua vida, mas não abre mão de suas convicções.
O homem do futuro quer ser perdoado, mas não perdoa quem atravessa seu caminho.
O homem do futuro, sendo maquiavélico, quer unir todos a sua volta em nome de um objetivo, mas não descarta a discórdia em nome do mesmo objetivo.
O homem do futuro duvida de todos que o cercam. Não passa por sua cabeça a possibilidade de ser ameaçado.
O homem do futuro exige a verdade, enquanto erra pelo mundo.
O homem do futuro espera não desesperar-se, enquanto desespera seu irmão menor.
O homem do futuro alegra-se com a tristeza do próximo. Ridicularizar é sua maneira de sorrir.
O homem do futuro quer luz, fazendo trevas.
O homem do futuro quer ser consolado, compreendido, amado, perdoado...
Mas não consola, não compreende, não ama, não perdoa.
O homem do futuro, inserido no mundo virtual, em que as relações humanas perderam seu calor, enxerga apenas a si mesmo.
Submerso na treva interior, ele se priva do contato solar com o outro, seu irmão.
A humanidade, cada vez mais, caminha a largos passos rumo à desumanidade.

Que assim não seja.