"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

17 maio 2010

era um homem comum. sem grandes dúvidas, incertezas ou indecisões. não se debruçava sobre as catástrofes naturais, a miséria, o imperialismo ianque, os caminhos da filosofia ocidental, análises sociológicas sobre o nada. era um homem. e isso já era sofrer demais. isso já era tudo. não lhe doía a ignorância, os silêncios e reticências que encontrava nas coisas do mundo. não lhe desconcertavam as intempéries do cotidiano, os mal entendidos, os chove-não-molha da vida. nada disso fazia sua testa porejar uma gota de suor sequer, não produzia uma noitezinha de insônia.

mas amava. ao seu modo, reticente. silenciosa e calmamente, via seus dias consumidos pela torturante ideia de possuir um botão, ao menos, do objeto do seu amor. ele sabia que sua vida não seria outra. ele não ia mudar sua rudeza em puro e tenro mel. ele amava. apenas. sem grandes promessas, sem grandes feitos, sem grandes provas.

por isso, um dia, catou da mesa dela um pedacinho de unha quebrada, pintada de branco. a queratina tinha o cheiro dela. guardou-a no bolso da camisa e voltou a trabalhar novamente, às voltas com as questões banais do seu cotidiano igualmente banal, e nunca deixou que ela soubesse daquele pedaço de unha, que agora era seu.

3 comentários:

Isíssima disse...

Que lindo She...

Me sinto como esse homem as vezes
Nos dias em que a intensidade não me rompe o protocolo... Apenas sento, leio, vejo, esquento minha alma com vestígios e continuo crescendo na minha pseudo calma.


Saudades...

João Araújo disse...

ótimo conto, She

" os silêncios e reticências que encontrava nas coisas do mundo".não lhe doia, como eu o envejo!

Sentinte disse...

Uma bela e fiel retratação do humano She linda