"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

17 julho 2009

O paciente inglês


Outro filme que me faz pensar a dialética amorosa é O paciente inglês. baseado no romance homônimo de Michael Ondaatje, conta uma história de amor tão bela quanto confusa, profunda e intensa. São duas histórias em uma: a do paciente resgatado no deserto com o corpo consumido pelo fogo e a dedicação exclusiva que a enfermeira Hana dedica ele e a outra que revela o amor que matou Almasy e K. a Katherine do conde. romance proibido pelo casamento de Katherine. pelo menos no início, ela disfarça o amor que ele já começa a mostrar com pequenos gestos e às vezes confusos, beirando a grosseria. a cena de amor que acontece entre eles no meio de uma comemoração de natal é uma das mais quentes e bem feitas que já vi. o contraste da selvageria dos dois escondidos, enquanto todos, na celebração, cantam noite feliz, acompanhados do marido de K. que está vestido de Papai Noel.

o modo como a narrativa se desenrola é instigante. apesar de algumas pessoas taxarem o filme de cansativo e monótono, acho que o cotidiano de um homem encontrado semi-morto no deserto não pode ser diferente. e é essa realidade que é tratada no início. o filme é extremamente verossímil e por isso, termina por atrair críticas desse tipo. a narrativa evolui a medida em que o diário de Almasy vai sendo lido pela enfermeira depois que os dois abrigaram-se da guerra num mosteiro e alguns personagens começam a aparecer, como por exemplo Kip e Caravaggio.

a história de Almasy e Katherine não é uma história bonitinha, organizada. a personagem chega a dizer que não é uma esposa normal. claro! ama o marido e não sabe se desvencilhar daquele que provocará, de certo modo, sua morte. a paixão cega os dois a ponto de não saberem mais respeitar as fronteiras que os separam: uma sociedade machista, na qual a posição dela seria a mais fragilizada.

Depois de ter passado a noite das bodas de papel com o amante, K. resolve terminar o caso e fazer que o marido não saiba nada que aconteceu entre eles, mas é tarde, pois Geoffrey já sabe e tenta matar os dois com o avião. força K. entrar no avião que ele está pilotando e tenta atropelar Almasy. Geoffrey morre e fere K. Almasy se safa e tenta salvar sua amante da morte, levando-a p/ uma das cavernas recém descoberta por eles e atravessa o deserto a pé em busca de ajuda. por uma série de zebras, nada acontece como o planejado e K. morre sozinha na caverna. Almasy, ao final do filme, assume a culpa pela morte da mulher que amou tanto. ele já era dela. logo ele que dizia odiar a posse, queria possuir K. mais do que qualquer coisa e sua morte foi o pior castigo por todo esse tempo que ele passou tentando fugir das contradições do amor. final trágico??? não. tendo em vista que, no final da vida, Almasy abdicou da morfina e morreu ouvindo a enfermeira ler as últimas palavras escritas por K. no livro de Homero. eles morreram juntos e essa foi uma forma bastante inteligente de deixá-los juntos, já que a união em vida seria, no mínimo complicada.

o que mais me chama a atenção é o comportamento às vezes doentio de Almasy, aquele pesquisador outrora equilibrado e racional. aquele mesmo tão exato em suas palavras, não usava adjetivos, queria possuir a amante, queria mesmo dar um nome e estabelecer a posse de uma parte do corpo de K. no jogo amoroso brincar com a posse faz parte de uma retórica preestabelecida há tempos. quando isso ultrapassa a barreira do jogo linguístico característico da relação amorosa, a coisa muda de figura. ele queria possuir. ele também queria ser possuído. essa é a grande contradição do personagem Almasy: ele queria possuir aquela que já o possuía sem fazer muito esforço.

por isso, os dois filmes mexem muito com o meu imaginário: são histórias de amor real, vivido e sofrido. nessas histórias qualquer um pode se reconhecer em alguma parte de sua vida, ou não. a mim basta apenas ter a esperança de um dia ser tão amada quanto K. e Ada (do post anterior), nem que seja apenas nas densas páginas de um romance ou nas breves páginas de um conto.


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