"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

17 julho 2009

O piano


não sou cinéfila (nem sei também se existe a flexão de gênero pra esse substantivo, mas, de qualquer forma, está aí), mas não poderia deixar de escrever hoje sobre dois filmes que admiro muito. observações de ordem técnica, vocês, camaradas cinéfilos, não encontrarão em minhas palavras. minha observação cinematográfica é de cunho extremamente pessoal, por isso peço licença, mais uma vez.

pra não ficar mais chato do que já está, começo por dizer que O Piano e O Paciente Inglês são os dois filmes que, até hoje, mais me tocam, principalmente no que diz respeito à história de amor que ambos carregam. uma boa história de amor nunca termina bem. parece trágico? não... quando digo que ela não termina bem não quero dizer que o par romântico deva morrer, ou ficarem exilados um do outro. Longe disso!

em O Piano, não temos um final tão feliz assim... a impressão que tenho cada vez que revejo o filme é que os acontecimentos se sobrepunham aos personagens de um modo tão intenso e assustador que a única saída era aquela. Ada inicia seu sofrimento quando sabe que terá que partir para se casar com um homem que nunca viu. depois sofre com o descaso do marido pelo seu único objeto de devoção: o piano. mais tarde, o marido verifica que teria sido melhor para todos ter cedido e voltado pra buscá-lo na praia o quanto antes. quem tomou a atitude que o marido deveria ter tomado foi Baines, que, usando de meios duvidosos, termina por conquistar Ada e conseguir o que o marido nunca conseguira: seu amor, seu desejo. A tragédica começa a ser esboçada quando o marido enciumado corta com um machado o dedo indicador de Ada como forma de puni-la pelas tentativas de encontrar Baines. e então, reconhecendo que sua esposa nunca seria de fato sua mulher, Stewart se rende e pede que ela se vá com a filha, o amanta e o "maldito" piano. me furtarei de contar mais detalhes como forma de aguçar a curiosidade dos que ainda não assistiram ao filme. agora, por que digo que o final não foi tão feliz assim, se os amantes ficaram juntos? bom, ficaram por conta do esforço de uma das partes. Baines decide abandonar a profunda floresta da Nova Zelândia como forma de compensar o estrago feito na vida de Ada e também como forma de realizar o amor entre os dois. Mas na viagem de volta, feita por eles e vários nativos em uma pequena embarcação onde o piano também era tripulante, Ada vê a possibilidade de pôr fim ao seu sofrimento, afundando no mar junto ao seu piano. ela deixa seu pé ser envolvido pelas cordas que estavam presas ao piano que foi jogado a seu pedido. e por quê? por que o fardo amoroso não suporta longos tempos. Ada é salva por Baines e os outros nativos que mergulham ao mar para resgatá-la. ela então, torna-se a sobrevivente do próprio suicídio. apesar do amor intenso que viveram nos poucos dias que passaram juntos, ela não suportaria a idéia de passar por tudo novamente. teria ela medo de que tudo se repetisse? o medo de que a proibição de tocar o piano e de ser quem ela é poderia voltar e instalar o descontentamento, mesmo que fosse sugerida uma nova vida, num novo lugar, com outro homem?? Ada vive a plenitude amorosa com dúvidas. passa a lecionar, a ter aulas para voltar a falar e ganha um protótipo de dedo feito por Baines. mas isso tudo passa pelo medo terrível de magoar e ser magoada novamente. as personagens são permeadas de dúvidas, mas Ada é a que mais duvida de um final feliz. ela não vê em Baines sua tábua de salvação, não o considera aquele que a tirará do caos e instalará a plenitude. Ada tem medo do que os homens (não só os homens, mas os homens...) possam fazer mais uma vez com ela. por isso (e por várias outras coisas que eu ainda nem sei) O Piano é visceral, por trabalhar a dialética amorosa. nada é decisivo no amor, nada é eterno (desculpem o clichê), as boas recordações de uma relação são poucas e amplificadas pelo sentimento nutrido pelos amantes. pode-se viver de boas recordações o resto da vida, mudá-la nem sempre é possível. Só pra provar que não sou a amarga da história, admito que Baines é perfeito em seu sentimento. fiel até a última instância aos seus desejos, capaz de burlar qualquer contrato, qualquer convenção em nome do que sente. sua maior vitória é provar à Ada que o que sente é sincero e fazê-la sentir o mesmo por ele. o filme é fantástico por fazer das incertezas a única certeza possível.

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