"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

19 março 2010

carta para o passado

quando eu te disse daquela vontade que imperava sobre minha razão... quando eu te disse daquele desejo que crescia feito raiz forte no meu ventre ainda jovem de mulher imatura, quando eu te disse da pulsão que movia meu corpo ao teu... quebrei um espelho.
aquela do passado, há dez anos te persegue entre sombras e breves clarões. aquela, a daquele remoto tempo infantil, não existe mais. pudera eu continuar a mesma depois de tanta vida derramada, àz vezes em vão, por aí? pudera eu continuar a mesma que pedia pra te esperar a qualquer custo? pudera eu conservar o mesmo brilho infantil nos olhos que derramam as águas do mundo desde então?
te mostrar quem sou hoje, te fez perceber que o objeto do teu amor, nutrido ao longo de todos esses anos, é diferente daquele amor ainda em botão, ainda simples nascente, ainda broto verde de uma planta que talvez nem tenha mais tanta vida. te revelar meu desejo com palavras sujas e beijos impuros macularam a imagem que você guardava naquele escapulário.
um escapulário imaginário que te fazia acreditar que o passado é imutável, que aquela menina habitava ainda esse corpo pisoteado, esse rosto já tão bruscamente mudado. um escapulário que te fazia orar todas as noites, no escuro dos teus piores pensamentos, em nome da pureza dela.
mas hoje, o que eu queria te dizer é que, se aquela menina morreu, dela nasceu uma pessoa. uma pessoa que ainda tem amor, mas não sabe a quem entregar. uma pessoa que tem desejos, mas prefere viver o lado medo de tudo e se perde querendo acertar sempre. e erra sempre. por seu gosto. por sua conta. essa pessoa nunca será melhor do que a menina que você amou. essa pessoa, nascida da pureza, deixou a pureza no passado e resolveu se sujar com o mundo. resolveu brincar de viver, se deu a quem não sabia sua mesma brincadeira e foi se deixando pelo caminho.
essa pessoa, às vezes, olha pra trás e encara a menina parada, olhando o nada, com fitas coloridas nas mãos e um sorriso no olhar. é quando ela sabe que segue o caminho certo. é quando essa pessoa tem certeza de que era preciso se perder por aí, para um dia poder se achar.

Nenhum comentário: