"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

08 março 2010

ensinaram-me a desejar calada,
a conter meus anseios
e meus sentimentos mais puros.

educaram-me à força de punhos fechados,
cenhos contraídos que imprimiam medo,
gestos indiferentes aos meus sorrisos.

catequisaram-me à base de sangue e corpo humanos,
repetiram em mim massacres e violências
todos gratuitos.

e por ter nascido mulher
todas as prescrições foram duplicadas,
como se um bicho feroz habitasse meus olhos.

e se esqueceram de mostrar flores e cores
e cheiros, essências, perfumes,
sentidos, toques, paladar.

mas os descobri.

mesmo quando a porta fechada não me permitia ver
luz ou qualquer ponta de outra existência,
eu fechava os olhos e habitava o mundo de dentro dos meus olhos.

um mundo
em que todas nós, iguais,
caminhávamos de mãos dadas
e guiávamos o mundo.
tínhamos o poder de dar ao mundo gerações.
tínhamos o poder de fazer germinar a qualquer custo
uma muda, embora frágil, de humanidade
nos homens tão ocupados
e cegos ao que se dá tão plena e sinceramente.

tínhamos a nobre tarefa
de voltarmos a ser mulher.

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