"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

15 outubro 2010

revivo, através da fotografia, aquela tarde azul numa praça desconhecida. o céu fazia de sua camisa uma rápida extensão de tons e de calor. lembro seu olhar para o nada, cristalizado no close de perfil que apreendi, sem saber que seria a única imagem que me restaria depois de tanto tempo.
depois de tanto tempo, já queimei cartas, fotografias, memórias de perfumes e noites em que alternávamos frio e calor. mas o close no seu perfil evidenciava o infinito do seu olhar: foi o que ficou. a única memória que permaneceu foi aquilo que eu não soube entender, mistério indevassável.
tentava preencher lacunas de sentimentos e pensamentos. tentava interpretar cada jovem ruga que percebia ou inventava no seu rosto. tentava manipular no computador a imagem diversas vezes aproximada para achar um brilho no olhar, um reflexo na pupila castanha e cristalina que me revelasse você. que desnudasse algo.
depois de tanto tempo tentando achar razão para aquele olhar perdido, resolvi inventar uma: eu. e minha máquina. você simplesmente posava para se deixar fotografar: era a única maneira de você se entregar a mim, de eu ter você. era o único momento em que a plenitude da entrega acontecia. você, esfinge. você, reticente. você, distante, longe de mim sempre, mesmo em fotografia. você, mesmo ao entregar-se, esquiva-se. você, mesmo ao dizer que ama, assinala o tempo, destruidor de todas as coisas.
é assim que aquela fotografia permanece e me faz refém de algo que só entendo ao reinventá-lo. algo que me faz imaginar possibilidades várias, nunca concretizadas. possibilidades que, contudo, me salvam do desejo no qual imergi naquela tarde azul.

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