"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

12 dezembro 2010

a fotografia

Logo que entrou na sala percebeu o porta-retrato vazio em cima do sofá. Foi em direção ao quarto, abriu a parte dela no guarda-roupa: também estava vazia. Exceto por uma aranha que prendia em sua teia uma traça. Desfez a teia com o dedo e matou a aranha com a palma da mão. Sentou na cama e fitou o chão, o gaurda-roupa, o espelho... esperando perceber algo esquecido para poder ter a desculpa de procurá-la.

Quis chorar, quis gritar, quis ligar para ela e dizer desaforos, ameaças, pedir para ela voltar. Voltou à sala, ligou a tv, segurou o porta-retrato deitou-se no sofá, assistiu a última programação e dormiu a segurá-lo. Na manhã do outro dia ainda se fazia chuva e o frio congelava os ossos. Arrumou a casa como fazia sempre antes, guardou o vazio na última gaveta da estante. Decidiu viver e esperar o dia.

Os dias passam e com eles os ventos, os meses, as chuvas. Ela voltou. Sem a mala que levara, mas voltou. Tinha esquecido algo, não sabia onde. Um vestido. Foram procurar, e no lado dele (o dela continuava vazio desde o dia) lá estava uma renda alva empacotada em um transparente, embaixo de vários outros pacotes.

Ela chorou, gritou, disse desaforos, ameaças, pediu para voltar. Ele abriu os braços. Naquele dia os dois dormiram como há muito não dormiam e sonharam e sorriram e fizeram o que jamais haviam feito. Ela trouxe de volta tudo o que levou embora, menos a fotografia dos dois no dia do casamento.

Ele perdoou e colocou outra fotografia e o levou à prateleira mais alta da estante, mas o que era cicatriz se abriu em flor e verteu nectar em sangue e o que era uma dor longe, só lembrança, voltou ao latejar dos primeiros dias. Um dia, bem cedo, ele preparou a bandeja do café com tudo o que ela gostava, uma rosa e um bilhete.

Ele, que não fumava, não voltou mais. Levou somente a roupa do corpo e deixou na casa tudo o que era dela.

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