"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

05 janeiro 2011

eu, acostumado a ter nada, não exigia nem o amor que ela derramava no meu telhado, no meu quintal, no meu jardim. lembrava com remorso as últimas palavras ditas no sufoco do choro que embargava a voz. lembrava o rosto dela se perdendo no horizonte, sua silhueta se diluindo na distância. e nada mais.
não esperei, não procurei. não pertencia a mim direcionar os atos dela. nunca pertenceu. ela sempre soube muito bem aonde ir e vir, se quisesse. e eu sabia, sempre soube, refazer-me do nada. continuei andando a passos curtos, lentos, distraídos. nem a lembrança dela me fazia parar de construir meu caminho, mesmo incerto. nem as pragas rogadas com tanta força e raiva naquela tarde quente e vazia.
mas um dia ela resolveu pedir algo que eu nem sabia mais se tinha: aquele amor. aquele amor que um dia houve, ela resolveu voltar e pedi-lo novamente. e como forma de se redimir, me ofereceu favores os mais diversos: seria minha jardineira, se eu quisesse: plantaria novamente os cactos ao lado das roseiras; trocaria todos os dias o papel de parede do computador, inventando novas belas fotografias, me daria sorrisos e beijos aos quatro ventos, no seu abraço me mostraria a paz que um dia houve tão plena, me daria o conforto do silêncio quando a dúvida insistisse em gritar aos nossos ouvidos e se deixaria guiar por minha cegueira.
ainda não sei se cedo aos seus apelos ou promessas, ou se persisto no meu caminho. ainda não sei se poderemos ter presente. acho os verbos no passado tão mais adequados a essa história... a condição é bem mais charmosa do que a prática inútil de reviver a mais bela história já vivida. eu não sei... mas admito que os cactos são bem mais espinhosos ao lado da suavidade das flores. não seria isso a boa convivência?

Um comentário:

Fernanda Castro disse...

"Os cactos são bem mais espinhosos ao lado da suavidade das flores." Esse trecho é tão complexo, conviver e decidir, né? ...refazer-se do nada...=/
Lindo texto! Te admiro mais!