"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

22 novembro 2009

carta de amor e dor para Matilda

Matilda,

O sol lá fora esquenta o chão, acelera a morte das flores. O vento sacode as roupas no varal e levanta a poeira dos móveis aqui dentro e, por isso, penso em ti. Na verdade, penso em ti e, por isso, a natureza se manifesta de formas tão bruscas: ela quer sacodir teus cabelos e porejar teu suor salgado nos meus pensamentos. Lembro de quando falávamos do passado e do quanto ele foi bom para nós. Matilda, o passado foi mesmo bom, fomos felizes, mas você se foi antes que eu te contasse uma parte dele. Uma parte que não faz a menor diferença lembrar ou esquecer, mas que é parte de mim e parte da dor que sinto hoje. Ah! Matilda, fomos felizes. De uma felicidade funda e lenta, sem nos darmos conta, sem perceber que nos cercava o devorador de todas as coisas. Penso em você como uma maneira de matar o tempo e todas as atitudes não tomadas. Quero esquecer que poderia ter feito algo para você não partir e me isentar dessa culpa. Forjo seus defeitos, amplifico sua infantilidade para me convencer de que não dava mais certo. Mas seu sorriso insistente enfrentando minha seriedade me faz lembrar que eu matava as esperanças que um sorriso sincero traz.
Matilda, teu nome nem é esse. Me perdoa inventar outro nome. É parte do meu intento de te recriar culpada de tudo. Outro nome pode me ajudar a esquecer que eu errei em te esconder um fato tão importante do meu passado. Eu sabia que ele seria definidor de tudo e não mostrei as cartas do jogo. Eu nunca amei, Matilda. Nunca senti amor, nem dei amor. Minha inexperiência nessas coisas da alma não me deixava entregar minha essência. Não me deixava abrir a porta pequena do meu mundo igualmente pequeno. Meus braços cruzados, meus bocejos... Tudo isso era uma maneira de não te mostrar essas pequenas coisas grandes, pra te proteger. Eu não te amei. O que eu sentia era uma espécie gozo ou satisfação por te ter por perto, mas não era amor. Algumas vezes teus gestos espirituosos me enfadavam, eu não entendia como você podia se entregar tanto sem receber. Como podia sorrir e tentar sempre me envolver com a mesma intensidade de antes. Matilda, não fui covarde, compreenda. Fui eu. Sei que eu poderia ter te dito antes de começarmos essa caminhada, mas não adiantaria avisar do precipício para quem quer se jogar.
Agora, o que me resta é apenas essa saudade pisada, magoada que eu sinto de nós dois. Naquele dia, na praia, enquanto eu olhava o navio ao longe, se perdendo na linha curva do horizonte, você me registrava em seus pensamentos. Eu estava de costas, mas sabia que você olhava pra mim esperando um gesto efusivo, palavras bonitas e frases feitas, e eu não fiz. Matilda, não leva a mal. Eu não sabia ser assim como você queria. Ainda não sei. Minha praticidade me empobrece, minha reflexão demasiada tira de minhas pernas e braços a espontaneidade exigida por esse amor que você tem. Matilda, não consegui amar. Mas isso não me faz pior. Matilda, eu queria ter te amado,mesmo que isso me fizesse pior.
Eu não queria te dizer isso e botar por terra tudo o que você acreditou por tanto tempo. Mas eu precisava que você soubesse antes que fosse tarde e que o engano permanecesse por mais tempo. Não faz diferença agora, eu sei. Mas eu precisava te dizer da minha incapacidade. Confessar que o fracasso foi meu. Seja feliz, meu amor. Com outra pessoa, também tentarei ser feliz novamente, assim como fui contigo. Mas não pretendo amar. Amar, não.

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