"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

22 novembro 2009

considerações sobre a morte


Nada é mais desesperador para o ser humano do que o tempo. Num mesmo segundo uma pessoa nasce e outra, do seu lado, morre. O tempo é implacável com a vida humana. Num segundo a vida de uma pessoa é definida por fatores externos à sua vontade. Não controlar o próprio tempo, ser escravo das horas vendidas para outrem é o fardo do homem que se deixa consumir por esse tempo líquido chamado pós-modernidade. Como forma de encarar essa morte cotidiana (e, por contradição, sua única certeza)o homem elabora artifícios capazes de enganar a fatalidade da existência. A arte é um desses artifícios, ela se configura como escape para aqueles que buscam o belo em suas vidas e a profundidade das coisas simples.
Porém, a maioria das pessoas estabelece um nível de beleza mediano para sua exitência e se limitam a reproduzir a própria mediocridade nas atitudes corriqueiras, impondo uma rotina degradante mentalmente. Os sonhos impostos pela TV através das novelas e dos filmes de alcance em massa produzem no telespectador cansado a sensação de que seus sonhos estão sendo realizados pelas personagens das novelas. A riqueza e suntuosidade mostradas na tela são o único contato dessas pessoas (forçadamente empobrecidas pelo sistema capitalista) com o outro lado da moeda. Ou seja, as pessoas pobres de espírito e desprovidas de riquezas materiais se realizam nas personagens que imprimem um padrão: são belas e ricas. Diante dessa projeção, para quê pensar e tentar mudar a realidade ao redor? A morte para essas pessoas já aconteceu. Deixa-se de viver a própria vida e passa-se a viver a vida de um personagem que, no máximo, é parecido com alguém, de fato, mas nunca existirá tal e qual. Passa-se a querer vestir-se igual, falar igual, numa verdadeira padronização tão semelhante à linha de produção em massa. Mas eles são felizes em sua condição infeliz.
A morte física, portanto, nesses casos, é apenas a continuação do que já começou há tanto tempo: as pessoas não viveram suas vidas, não aproveitaram cada segundo de suas vidas, não lutaram contra a imposição de um padrão. Essas pessoas simplesmente cometeram um suicídio do próprio eu. Um eu pleno de defeitos, mas únicos. Ao transferir sua vivência para um personagem ( e quando falo "um personagem", não me refiro apenas às novelas, mas a toda e qualquer celebridade fabricada e transferida ao público como exemplo e espelho), o ser humano abre mão de uma de suas características principais: a identidade (que não é apenas um número num cadastro). O ser humano, ao vestir a farda, ao encaixar a forma imposta (por qualquer segmento social), ao aceitar o padrão de bom grado, mata sua individualidade e seu direito (e por que não dizer dever?) de pensar diferentemente daquilo que lhe impõem.
As pessoas lamentam a morte e sua imprevisibilidade, mas não se dão conta de que a morte está à espreita e seduz com um discurso de inclusão. "Preciso ser igual para ser aceita. Para não morrer sozinha". A pior solidão é a morte na sala de espelhos.

Um comentário:

arte em construção disse...

PARABÉNS PELO TEXTO!
SERIO!
CRITICO !
REFLEXIVO E INTENSO!!!
POSSO SER VOÇÊ NO FUTURO???
ZEUS BRITO