"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

07 novembro 2009

Hoje é dia de finados


O post está meio atrasado, mas a reflexão tem permanecido atual ao longo dos tempos. O texto é de Elton Larry, meu amigo historiador, filósofo e metaleiro.

Além do significado óbvio, compartilhado por todos – que o considerem ou não uma data a ser observada – o que significa esta data ou... para que serve o dia de finados?
É evidente que a maneira como alguém ou um grupo se apropria de uma data está intrinsecamente ligada a suas experiências, expectativas e outros ‘ex’ da vida. Mas entender como a maioria enxerga este dia pode ser interessante.
Hoje, uma quantidade enorme de pessoas se dirigiu a um, dois ou mais dos milhares de cemitérios que existem no território brasileiro levando velas, terços, tinta para pintar alguma cruz mais enferrujada, coroas de flores, água, dentre outras coisas.
Nota-se no semblante da maioria que eles não se dirigem ao cemitério com expressão de tristeza, o que não significa muita coisa, em cortejos vê-se muitas pessoas até com cara de riso. Entretanto, não se vê em muita gente aquele ar de circunspecção que se espera transparecer nestes momentos.
Na hora de rezar o terço aparece alguma circunspecção. Não em todos, claro. Tem gente que vai ao túmulo de um ente querido – prefiro acreditar que o considerem querido – e não se interessa em rezar ou ao menos ler uma parte dos chamados ‘mistérios’ presentes naqueles livrinhos titulados “Rezemos o terço”.
Não se pode afirmar só por isso que as pessoas em questão não amem seus mortos assim como aqueles dispostos a rezar. Reconheço que as primeiras podem ter sentimentos mais bonitos do que aqueles adequados ao que se espera nestas ocasiões.
O caminho até os cemitérios é uma atração à parte. Dezenas, centenas de automóveis estacionados mostram que você está chegando a um cemitério. A algazarra de crianças a fim de ganhar algum que se propõem a ‘vigiar’ seu carro, também. Vende-se água normal, água com gás, água de coco. Vendem-se velas, coroas de flores, alguns petiscos como batata frita e há até mesmo barracas de caipirinha (caipirinha?).
Coisas como este forte comércio parecem deixar clara uma das particularidades mais simples da data: o dia é dos mortos, mas quem importa mesmo são os vivos. É para eles que se busca vender alguma coisa – mesmo no caso de um enterro, o morto não poderá fazer uso de seu dinheiro juntado em vida – é aos vivos que se oferece tanto o consolo espiritual (atitude bonita, embora meio pretensiosa) quanto diversas opções de planos funerários – claro que não deixa de ser uma oportunidade de negócio, mas a situação de um filho que chora a morte de um pai ser assediado por um vendedor de planos funerários supera as barreiras do mau gosto.
O dia dos mortos pode ter uma função bem interessante: lembrar aos vivos como, apesar de tudo, deve valer a pena continuar deste lado do estige. Vou ao cemitério e claro, não posso deixar de ver a comoção em alguns poucos rostos desconhecidos. Mesmo que a dor da perca seja enorme, acho que pouquíssimas pessoas ali trocariam de lugar com seus entes sepultados. Ir ao cemitério parece que lhe deixa com certa vontade de viver. A menos que você seja um daqueles escritores doidões que desejavam alcançar a morte como um escapismo para o sofrimento.
Acho que não seria necessário um dia para os mortos se as pessoas, de bom grado, se lembrassem deles. Claro que todos eles quando eram vivos possuíam seus defeitos. Podiam ser mentirosos, meio covardes, um pouco desonestos quem sabe, sonhadores ao extremo ou extremados puxa-sacos. Mas deviam deixar alguém feliz quando chegavam em casa, quando preparavam uma comida boa, quando abraçavam alguém ou quando te diziam aquelas palavras de carinho e estímulo que em um momento de tristeza podem fazer toda a diferença.
Entretanto, a delimitação de uma data específica – estrategicamente colocada após o dia das bruxas e o de todos os santos – pode trazer seus benefícios. Por um lado prático, pode proporcionar a um pai, cujo filho está enterrado em um local meio distante, um dia de folga onde ele possa visitar seu túmulo e depois passar na casa de um amigo de longa data que há tempos não via. (O que foi? por acaso você acha que todo mundo vai só ao desfile em 7 de setembro? Eu sequer conheço alguém que vá.)
O dia de finados, como já foi dito, é dedicado a eles, mas quem se aproveita dele somos nós – enquanto vivermos – a saudade de alguém que já partiu pode ser dolorosa, mas senti-la é sinal de que aquela pessoa fez a diferença na sua vida. Eu particularmente lembro de uma senhora que poderia ter me ensinado a ser bom e paciente como ela foi, mas a luz de seus olhos apagou-se cedo demais.
Embora eu continue achando que no dia de finados, os mortos deveriam poder voltar á terra para ver seus entes queridos, (mas acho também que alguns deles não iam querer ver absolutamente ninguém e passar o dia bebendo/fumando/transando) não posso pensar em tudo. Cada um é dono de seu coração – até quando ambos estão ‘meio’ mortos.

Nenhum comentário: