"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

29 julho 2010

conflito de gerações

sobre a afeição

O dicionário diz que afeição é uma ligação sentimental. Porém, existem homens que são extremamente ligados a algo ou alguém sem qualquer espécie de sentimento. Devo, então, jogar fora, queimar e relegar à prateleira do esquecimento um dicionário tão displicente com os conceitos?
Não.
O problema não está no dicionário, mas nos homens. Estes, se lhes dessem outra oportunidade para nascerem e refazerem sua afeição, eles errariam mais uma vez. E mais outra e mais outra e quantas vezes fossem-lhes dadas novas chances de conhecerem a afeição. Por quê?
Porque poucas pessoas conseguiriam viver situações afetivas. Uma caneta, um brinquedo, um livro, um filme, uma canção, uma lembrança... tudo isso são objetos de afeição. E todos os homens já passaram, passam e passarão ao redor de cada uma dessas coisas. Mas não se deixam tocar. É como se qualquer tipo de sentimento possa prejudicar o distanciamento planejado, regulado e preestabelecido.
Esses homens não sabem o que é cultivar afeição por nada, nem ninguém. Não sabem, sequer, demonstrar um carinho, pois é sinônimo de fraqueza. Não, é preciso nem mesmo envergar, posto que há a possibilidade de quebrar.
Por isso, a afeição é uma palavra que nem aparece mais nas bocas das pessoas. Estamos nos bestializando. O primeiro sintoma é esquecer a afeição. Por isso, muitas vezes, é preciso lembrar mansamente do que nos fez humanos.

26 julho 2010

canção de muito longe

você, que plantou esperança nos meus olhos,
que encheu minhas mãos de segurança,
que inventou palavras e versos
para colorir meu peito, que cantou e ensaiou uma dança,
(você que não gosta de festas), vai embora assim: sem medo.

você não tinha nada que voltar
e encantar mentiras pros meus olhos sorrirem.
você não tinha nada que voltar.

23 julho 2010

sobre o amor (ou seja lá o que isso for)


Acabo de assistir a um filme em que uma mulher suíça, absolutamente enlouquecida, deixa seu noivo no último dia de viagem ao Quênia, para ficar ao lado de um aborígine Massai. A história é emocionante, não apenas por ser uma história de amor bela e inusitada, mas por me fazer pensar nas decisões que tomamos e nas certezas que nos impulsionam ao sucesso ou ao fracasso. Na verdade, excetuando esse meu teor maniqueísta de perceber as coisas, o que me incomodou durante todo o filme foi o fato de ela, Carola, não se perguntar se, de fato, valia apenas abandonar tudo por um homem que ela nem sabia se retribuía seu sentimento. Ou ainda, perguntar-se, questionar-se, indagar-se sobre os costumes do povo ao qual ele pertence, enfim... Todas essas coisas que minha mãe me diria numa situação dessas e que, com certeza, a mãe dela também.
Outros dirão: ela precisava passar por aquilo, ela precisava viver aquele momento... Outros ainda: ela foi movida pelo amor, foi guiada pelos sentimentos, pelo coração... As interpretações são infinitas e eu gostaria de mostrar apenas a minha: pelo que eu entendo de sentimentos, parece que Carola se deixou levar por um falso sexto sentido e confundiu admiração com amor ou ainda, encarou gentileza, presteza e beleza (que eco terrível!) com paixão, interesse. E seguiu cega, pelas savanas da África, atrás do seu salvador: um guerreiro da tribo Massai que não sabia amar, não entendia a conversa dos olhares, nem se esforçava por entender as necessidades de sua mulher que lhe deu a maior de todas as provas de amor: abdicou do seu mundo em prol do mundo dele, extremamente duvidoso.
Quantas de nós já não fizemos isso: viver o mundo do outro. E quantas de nós não voltou pra casa, rabinho entre as pernas, e recomeçou do zero? Ela quis acreditar que fosse dar certo, sem saber ou sem querer saber que era preciso mais que amor, mais que paixão, desejo ou que quer que seja isso que nos move. É preciso mais do que amor para se viver um grande amor.
Mas não posso negar que é uma linda história. (Baseada em fatos reais: A massai branca, de Corinne Hofmann)

20 julho 2010

janela sertaneja

para Eduardo

pé de caju pé de caju
babaçu babaçu
terra seca
gente seca
tempo seco
ar seco.
olhos esperando outras gotas, agora doces.

13 julho 2010

Veja, Margarida




Essa canção do Vital Farias eu conheci menina. Meu pai ouvia essa música e ela me fazia imaginar coisas estranhas, como no trecho "eu não quero ver você com esse gosto de sabão na boca". Aí eu imaginava a cara da gente quando come sabão :D ... Acho que foi até por essa música (e várias outras) que nutri o gosto pela literatura, pelas imagens produzidas pelas palavras. Mas depois eu cresci e comecei a tentar entender um pouco da letra, do lirismo das despedidas, do amor cansado, das esperanças de vida...

Eu vou partir, pra cidade garantida, proibida
Arranjar meio de vida, Margarida
Pra você gostar de mim

Essas feridas da vida Margarida
Essas feridas da vida, amarga vida
Pra você gostar de mim

Veja você, arco-íris já mudou de cor
E uma rosa nunca mais desabrochou
E eu não quero ver você
Com esse gosto de sabão...na boca
Arco-íris já mudou de cor
E uma rosa nunca mais desabrochou
E eu não quero ver você
Eu não quero ver...

Veja meu bem, gasolina vai subir de preço
E eu não quero nunca mais seu endereço
Ou é o começo do fim...ou é o fim...

Eu vou partir, pra cidade garantida, proibida
Arranjar meio de vida, Margarida
Pra você gostar de mim

Essas feridas da vida Margarida
Essas feridas da vida, amarga vida
Pra você gostar de mim

Canção lançada no LP Taperoá - 1980.

E depois, muito tempo depois, só recentemente, pra não dizer há uns vinte dias (rsrsrs), descobri esse poema do Paulo Leminski: lindo, cheio do colorido da margarida e do amargor da vida:

você me amava
disse
a margarida

a margarida
é doce
amarga a vida

Poema que compõe o livro Caprichos e Relaxos - 1983.