"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

20 março 2010

p/ E.

o vento forte, as nuvens carregadas do fim da tarde de hoje, suas mãos, meus olhos... ainda estou aqui onde você me deixou. quero me deixar absorver pelas suas doces palavras, por seus olhos que mentem tão doce e naturalmente. mas não mentem por mal, eles também se enganam. quero, mais que minha própria redenção, salvar o que resta de nós dentro de mim. quero, ainda mais que tudo, renascer nosso mundo em mim.
mas me vêm outros mitos antigos, novas velhas dores e paro ao som de qualquer palavra que lembre as cores que pintamos juntos no muro do quintal da nossa casa. aquelas cores desbotadas, feitas de sonhos afogados em lágrimas, asfixados pela fumaça do seu cigarro fumado às escondidas... aquelas cores não povoam mais nosso quintal que já não é mais nosso. aquelas cores se foram. o branco tomou conta da atmosfera opaca que se instalou quando você se foi. chorei duas noites, o resto dos dias escoavam entre meus pés e amanheciam, simplesmente.
enquanto esperava, senti o mesmo gosto das nossas primeiras vezes. experimentei nossa antiga felicidade e, por um momento, pensei que pudéssemos pintar novamente as mesmas cores no muro do quintal. mas você chegou. me contou os túneis e abismos pelos quais passou, tudo era tão eu... percebi então que não poderíamos mais pintar as mesmas cores, nem habitar a mesma casa, o mesmo quintal.
se a volta for a solução, que seja à base de novas cores e novos lugares a habitar. se for para sermos felizes como nunca fomos, teremos que ser outros. teremos que arrancar nossos olhos e mãos e deixar que nasçam, da ferida exposta, novas cores, novos gestos. outra vida.

19 março 2010

carta para o passado

quando eu te disse daquela vontade que imperava sobre minha razão... quando eu te disse daquele desejo que crescia feito raiz forte no meu ventre ainda jovem de mulher imatura, quando eu te disse da pulsão que movia meu corpo ao teu... quebrei um espelho.
aquela do passado, há dez anos te persegue entre sombras e breves clarões. aquela, a daquele remoto tempo infantil, não existe mais. pudera eu continuar a mesma depois de tanta vida derramada, àz vezes em vão, por aí? pudera eu continuar a mesma que pedia pra te esperar a qualquer custo? pudera eu conservar o mesmo brilho infantil nos olhos que derramam as águas do mundo desde então?
te mostrar quem sou hoje, te fez perceber que o objeto do teu amor, nutrido ao longo de todos esses anos, é diferente daquele amor ainda em botão, ainda simples nascente, ainda broto verde de uma planta que talvez nem tenha mais tanta vida. te revelar meu desejo com palavras sujas e beijos impuros macularam a imagem que você guardava naquele escapulário.
um escapulário imaginário que te fazia acreditar que o passado é imutável, que aquela menina habitava ainda esse corpo pisoteado, esse rosto já tão bruscamente mudado. um escapulário que te fazia orar todas as noites, no escuro dos teus piores pensamentos, em nome da pureza dela.
mas hoje, o que eu queria te dizer é que, se aquela menina morreu, dela nasceu uma pessoa. uma pessoa que ainda tem amor, mas não sabe a quem entregar. uma pessoa que tem desejos, mas prefere viver o lado medo de tudo e se perde querendo acertar sempre. e erra sempre. por seu gosto. por sua conta. essa pessoa nunca será melhor do que a menina que você amou. essa pessoa, nascida da pureza, deixou a pureza no passado e resolveu se sujar com o mundo. resolveu brincar de viver, se deu a quem não sabia sua mesma brincadeira e foi se deixando pelo caminho.
essa pessoa, às vezes, olha pra trás e encara a menina parada, olhando o nada, com fitas coloridas nas mãos e um sorriso no olhar. é quando ela sabe que segue o caminho certo. é quando essa pessoa tem certeza de que era preciso se perder por aí, para um dia poder se achar.

a volta

quando eu disse não
- quase sim dizendo -
abri a boca num definitivo adeus.

quando eu disse sim
- quase não dizendo -
fechei os olhos num longo suspiro.

mas, repara: que ironia!
do descuido, rebrilharam cores:
eu e você outra vez.

13 março 2010

Provoked - Desejo de Liberdade



Dica de filme nesse último dia da semana que festejou a mulher.

Discurso de Kiranjit Ahluwalia após a revisão de sua sentença:

"Quero dizer obrigada a todos por isso. Na vida, não há honra no silêncio e no sofrimento, não há afeto e conforto numa relação de abuso. É nossa responsabilidade como mães, ensinar nossos filhos a tratar as mulheres com amor e respeito, não com violência e raiva. Só assim o sofrimento acabará. Minha história é uma parte do quadro. Posso não ser importante, mas essa questão é. Por favor, não se esqueçam de que há muitas mulheres precisando da sua ajuda. Por favor."

Vale a pena!!

10 março 2010

questão de pontuação

Todo mundo sabe: Que homem não chora?

em época de eleição...



... eu presto atenção no que eles dizem, mas eles continuam a dizer nada!

não é preciso muita coisa pra mudar o Brasil, basta vontade. mas isso é artigo raro... assim como giz, papel, apagador...

08 março 2010

ensinaram-me a desejar calada,
a conter meus anseios
e meus sentimentos mais puros.

educaram-me à força de punhos fechados,
cenhos contraídos que imprimiam medo,
gestos indiferentes aos meus sorrisos.

catequisaram-me à base de sangue e corpo humanos,
repetiram em mim massacres e violências
todos gratuitos.

e por ter nascido mulher
todas as prescrições foram duplicadas,
como se um bicho feroz habitasse meus olhos.

e se esqueceram de mostrar flores e cores
e cheiros, essências, perfumes,
sentidos, toques, paladar.

mas os descobri.

mesmo quando a porta fechada não me permitia ver
luz ou qualquer ponta de outra existência,
eu fechava os olhos e habitava o mundo de dentro dos meus olhos.

um mundo
em que todas nós, iguais,
caminhávamos de mãos dadas
e guiávamos o mundo.
tínhamos o poder de dar ao mundo gerações.
tínhamos o poder de fazer germinar a qualquer custo
uma muda, embora frágil, de humanidade
nos homens tão ocupados
e cegos ao que se dá tão plena e sinceramente.

tínhamos a nobre tarefa
de voltarmos a ser mulher.

sobre o tempo e minha morte silenciosa

há no céu
algo de vermelho
escondido por trás das nuvens.

há nas núvens
algo de chumbo
escondido entre o branco.

há no arco-iris
algo de cinza
escondido entre o anil e o lilás

há no arco
algo reto incorrigível
que nada faz curvar.

há no sol
algo frio
escondido no último raio do dia
que faz gelar.

é esse último raio
que traz taciturnamente
o resumo do meu dia.

é com esse último raio
que me dou conta
do tempo que caía,
fio de cabelo,
atrás dos meus passos.
caía leve,
nunca ouvi seu peso no chão...
esses fios se agarravam
à minha roupa
e pousavam de leve no chão passado.
e eu não via que aos poucos
minhas mechas me deixavam.
seguia cega,
olhando pra frente,
procurando
meu reflexo,
minha sombra
feita pelo sol
que se punha atrás de mim.

06 março 2010

não é nada.
sei que não é nada.
é qualquer coisa,
menos aquilo que você espera.

repita infinitamente,
no íntimo,
que não é nada.

não pense, não sonhe,
não conjecture, não especule,
não caia nessa esparrela
novamente.

não, por favor,
novamente não...
não ceda, não vá,
não creia.

azede seu doce,
salgue a carne,
tome seu café amargo,
sinta a realidade.

mas não, por favor,
não pense,
não sinta,
não relembre.

não há interpretações
não há sentidos
a estabelecer,
não há nada
possível a fazer.

corra.
fuja.
refugie-se.
console-se, amparada
no esconderijo.
cave buracos
para se esconder.

mas não acredite.
não pense.
não sonhe.
não ame
mais uma vez.
não...
por favor.

05 março 2010

o homem constrói
ruas
avenidas
estradas
para chegar a algum lugar.

o homem constrói
mapas
para não se perder
na procura por algum lugar.

o homem dignifica
suas horas de existência
com cálculos
cifras
porcentagens
como meio de chegar a algum lugar.

cria ícones
bandeiras
slogans
demarca lugares
cria sinais
ressignifica cores
atribui valores
tudo isso para ter algum lugar.

e no meio da parafernália
técnica
acadêmica
produtivesca
se perde.

se perde
e não sabe voltar
ao ponto de partida.
se perde
e não sabe os motivos
que o levaram
a caminhar
a perseguir tanto.

e, sem saber voltar,
cria raízes frouxas
na anti-terra capital.
faz-se feliz
com coisas minúsculas
contenta-se
com a aparência de veludo,
com o toque macio do veludo,
e tapa o nariz
à podridão sob o veludo.

esse homem articifioso
não sabe, apesar de muito saber,
o segredo das coisas
brotando espontâneas
no seio da terra.
esse homem...

*

não sabe
em que bicho se tornou.
um caçador antifelicidade
um caçador antivida
assassino de almas puras
mercenário atroz de pupilas sonhadoras,
pedras brutas
preciosas
encontradas em qualquer melodia
que inspire um olhar inquietante
curioso.
àquilo que não é óbvio,
que não traz facilidades
embutidas na face,
ele diz não
e se expõe à terrível dificuldade
de ir acabando consigo
pelo longo caminho que percorre
para chegar a qualquer lugar.

o drama da tragédia cristã

Comungar: 1. Rubrica: liturgia. Administrar ou receber o sacramento da Eucaristia; 4. Tomar parte, ter participação; partilhar. (Dic. Eletrônico Houaiss)

(...)
- São o corpo e o sangue de Cristo transubstanciados.
- Não, obrigada. Me recuso a compactuar com qualquer forma de canibalismo.
- O quê? Mas...
- Sinto muito.
(...)