"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

30 novembro 2010

sobre o medo e o tempo

o que me move é o medo.
o medo das certezas estanques,
dos rótulos,
dos adjetivos,
dos olhares.
o que me move é bem menos
do que vaidade,
verdade
ou vontade
cravadas em meus olhos,
bombeando meu sangue.
o que me move são as incertezas.

***

não tenho mais tempo
para parar.
o mundo não vai parar
de girar pra eu me encontrar.
ninguém pode ser responsabilizado
pelas escolhas que fiz.
não posso culpar ninguém
pelo que acontece no meu mundo.
não sou melhor do que ninguém,
mas também não sou pior.
atravesso meus dias com os olhos
no além do horizonte que pintei.
e, apesar das negativas,
sou uma afirmativa a tudo o que é vida,
a tudo o que viceja.
não tenho pulso de lustrar algo opaco por natureza.
pior do que não ter pulso, não quero ter pulso
para perder tempo lutando contra a natureza.
minha natureza não me permite
ir de encontro a outras naturezas.
não preciso da morte para dar valor à vida,
para saber o que é vida.

28 novembro 2010

cordão




Letra de Chico Buarque, presente no álbum Construção de 1971. Uma ótima reflexão sobre a vida e sobre os sentimentos que esquecemos de cultivar.

Ninguém
Ninguém vai me segurar
Ninguém há de me fechar
As portas do coração
Ninguém
Ninguém vai me sujeitar
A trancar no peito a minha paixão

Eu não
Eu não vou desesperar
Eu não vou renunciar
Fugir
Ninguém
Ninguém vai me acorrentar
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir

Ninguém
Ninguém vai me ver sofrer
Ninguém vai me surpreender
Na noite da solidão
Pois quem
Tiver nada pra perder
Vai formar comigo o imenso cordão


E então
Quero ver o vendaval
Quero ver o carnaval
Sair
Ninguém
Ninguém vai me acorrentar
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir
Enquanto eu puder cantar
Alguém vai ter que me ouvir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder seguir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir

27 novembro 2010

minha canção



Ela vinha sem muita conversa. Beijava como se nunca. Beijava e me deixava sem saber mais de mim. E olhava. Olhava minha boca, meus olhos, pescoço, cabelo e eu perguntava o que foi e ela erguia as sobrancelhas, esboçando o sorriso dos olhos. Pegava minhas mãos, tocava minhas unhas, media meus calos e comparava aos seus. Ela olhava mais, como se não conseguisse dizer nada sobre o que estava sentindo, como se o coração fosse os olhos e olhar fosse amar.

Eu queria ler os pensamentos dela, adentrar no canto do olho e me ler no reflexo negro de suas pupilas. Às vezes, quando olhava fixamente para o nada, a obsessão me invadia a alma e me tomava de fúria disfarçada com a voz branda, esgarçada de dor, quando perguntava o que ela pensava e me respondia umas palavras tolas, não era nada, e eu sabia que era algo sim.

Ela tinha o péssimo hábito de quebrar minha expectativa. Enquanto eu confessava meus botões, ela vinha com umas palavras novas, com músicas novas e até sobre meu nome ela especulava. Ela me distraía e eu só soube quando ela me disse.

Eu sonhava com noites e dias de perdição, contrariando minha orientação cristã, e ela me mostrava e escondia, me dava e tomava de minhas mãos, acordava e sacudia o pequeno demônio que eu relutava em matar, esconder, esquecer e que morava em meu peito e se espalhava por meus braços e mãos ao agarrá-la.

Ela teimava, não me dizia o que eu queria ouvir. Ela só confessava a loucura de nossas vidas quando eu, enlouquecido, gritava e pedia que ela também gritasse, desvairada. Eu pedia pra ela descer do muro e ela só me olhava, feito felina acuada, enfurecidamente domesticada, precisando do conforto dos meus braços, sem querer confessar.

Fiz uma música sem refrão, sem rimas ricas, acompanhado pelo violão. Eu, compositor bissexto, me animava com a inspiração e fazia imitações de músicas que já existiram e era êmulo de minha própria criação. Eu,perfeccionista e entendedor de tudo, vocação de professor, errava e mostrava meu erro quantas vezes ela pedisse. Mas ela não pedia.

Ela mentia, dizia do cansaço, repetia nãos com o peito ecoando sins, desconversava, olhava e nada dizia, só pra me ouvir insistir depois de tantas recusas. Por que eu sabia que ela me queria, embora ela não desse ouvidos à minha canção que pedia que ela ficasse comigo. Só comigo.

nada como o tempo




Quando depositamos muita confiança ou expectativas em uma pessoa, o risco de se decepcionar é grande. As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui, para satisfazer as dela. Temos que nos bastar... nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém. As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida. Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com a outra pessoa, você precisa em primeiro lugar, não precisar dela. Percebe também que aquela pessoa que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente, não é o homem ou a mulher de sua vida. Você aprende a gostar de você, a cuidar de você, e principalmente a gostar de quem gosta de você. O segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até você. No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!

* Este texto tem um pequeno probleminha de autoria: É repetido aí na rede que é de Mário Quintana, mas não é. A suposta autora é Kátia Cruz. Digo suposta por que muito se especula em relação a isso, mas a certeza é de que não é de Quintana.
Mesmo com essa confusão, o texto não deixa de fazer uma boa reflexão sobre o amor.
Imagem: Escultura de Camille Claudel - Valsa

amor é síntese




Por favor, não me analise
Não fique procurando
cada ponto fraco meu
Se ninguém resiste a uma análise
profunda, quanto mais eu!
Ciumenta, exigente, insegura, carente
toda cheia de marcas que a vida deixou:
Veja em cada exigência
um grito de carência,
um pedido de amor!

Amor, amor é síntese,
uma integração de dados:
não há que tirar nem pôr.
Não me corte em fatias,
(ninguém abraça um pedaço),
me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeita, amor!

(Do livro "Bom dia amor!", Mirthes Mathias, Juerp, 1990)

cara valente!

Música (perfeita!) do Marcelo Camelo. Interpretação de Maria Rita (quando ela se afasta do fantasma da mãe, consegue ser uma boa cantora).
Não, ele não vai mais dobrar
Pode até se acostumar
Ele vai viver sozinho
Desaprendeu a dividir...
Foi escolher o mal-me-quer
Entre o amor de uma mulher
E as certezas do caminho
Ele não pôde se entregar
E agora vai ter de pagar
Com o coração Olha lá!
Ele não é feliz
Sempre diz
Que é do tipo
Cara Valente
Mas veja só
A gente sabe...
Esse humor
É coisa de um rapaz
Que sem ter proteção
Foi se esconder atrás
Da cara de vilão
Então, não faz assim rapaz
Não bota esse cartaz
A gente não cai não...
Ê! Ê! Ele não é de nada
Oiá!!! Essa cara amarrada É só!
Um jeito de viver na pior
Ê! Ê! Ele não é de nada
Oiá!!! Essa cara amarrada É só!
Um jeito de viver
Nesse mundo de mágoas...

26 novembro 2010

sobre a felicidade

"felicidade é agora!"

sábias palavras de mamãe...

viver: por Calligaris IV

"Posso respeitar a tenacidade corajosa de quem se mantém fiel a suas convicções, mas no que ela difere da teima de quem se esconde atrás dessa fidelidade porque não sabe negociar com quem pensa diferente e com o emaranhado das circunstâncias que mudam? Aplicar princípios e nunca se afastar deles é uma prova de coragem? Ou é a covardice de quem evita se sujar com as nuances da vida concreta?"

"A coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia e, talvez, de quem tem pouca coragem."

http://contardocalligaris.blogspot.com/2010/11/coerencia-e-um-valor-moral.html

24 novembro 2010

sobre a liberdade

tanta tinta vertida
na vã tentativa
de descrever
a liberdade...

posso dizer
que serei apenas mais uma
a investir meu tempo
sobre os conceitos do ar.

de ar se faz a liberdade,
seu verbo é voar -
sempre no infinitivo -
pronta para toda conjugação.

não é artigo que se compre,
em ponta de estoque
de liquidação,
embora esteja ao alcance das mãos.

não é artigo que se ganhe
num abraço, num olhar -
essas coisas dos sentidos
aprisionam a verdadeira liberdade.

por ser ar, podemos tê-la
no peito -
encher plenamente os pulmões
é o pleno exercício de liberdade.

por ser ar, dá vida,
gera o fogo, sustenta o voo dos pássaros -
únicos dotados desde nascença
da arte do ar.

por ser ar, suprime a vida,
se nos falta.
não há como substituí-lo
de nossa constituição.

há quem pense em encher os pulmões
de amor,
de dinheiro,
de fama.

sem saber que as chaves da prisão
têm vários nomes,
e que liberdade mesmo
só existe no ar.

não posso pegá-la,
guardá-la,
escondê-la dos invejosos.
a mim, só me resta viver.

encho os pulmões na manhã cinzenta
e percorro os mesmos caminhos,
quantas vezes sentir vontade -
a pulsão para o ar.

essa minha liberdade:
errar, tentando acertar.
saber ter o ar
que me cerca, me envolve

e me lança
sobre abismos,
vales,
planícies.

22 novembro 2010

amor: estrada de fazer o sonho acontecer

Uma bela canção de amor cura qualquer dor de cotovelo. A alegria de estar bem, apesar de tudo, me faz mais forte. E quando penso no que já vivi, só posso sorrir. É quando percebo que olhar pra trás é um folhear incessante do álbum de retratos esquecido. E meus olhos tornam a colorir o mundo.

Salve, Milton Nascimento!

durante a viagem,
quem se detém a apenas um dos lados da estrada
termina perdendo todo o outro lado.

18 novembro 2010

hoje descobri que somente os pombos vivem de migalhas.
e que eu só posso sobreviver com migalhas.

hoje descobri, meio sem querer, que as pequenas vontades
são nossos maiores desejos reduzidos a poucas frações,
pois realizá-los inteiros nos parece muito longe
e na pressa de ter e chegar a algum lugar, nos contentamos
com a sombra do pouco desejo abafado.

hoje descobri, em meio ao choro, que não devo mais seguir
se não posso mais sonhar.
que a vida é ruim e que se não for a pulsão de uma paixão,
morre-se um pouco a cada passo do nem tão longo caminho.

hoje descobri que as piores mentiras são aquelas susurradas no escuro,
de olhos fechados. e que o pior adeus é dito com o olhar, num piscar de olhos
displicente, em meio a bocejos e silêncios castradores.

hoje, manhã cinza e molhada, chorava pelo meu sono quebrado,
fatigado e empobrecido, casa de solidão, pulso enfraquecido.
hoje descobri que eu não vi nada além do que queria ver.

17 novembro 2010

a beleza dela era uns pardais nos fios elétricos,
chiando,
interrompendo o silêncio da manhã.
e assim, dissonante, ela povoou
os mais silenciosos pensamentos
dele.
com esse sol
e esse céu
não me iludo.

onde pingou um dia
cairão nuvens
sobre meu luto.

não adianta

Não adianta,
Não adianta nada ver a banda
Tocando “A Banda” em frente da varanda.
Não adianta o mar,
E nem a sua dor.

Não adianta,
Não adianta o bonde, a esperança,
E nem voltar um dia a ser criança.
O sonho acabou.
E o que adiantou?

Não tenho pressa,
Mas tenho um preço,
E todos têm um preço.
E tenho um canto,
um velho endereço.
O resto é com vocês,
O resto não tem vez.

O que importa,
É que já não me importa, o que importa,
É que ninguém bateu em minha porta,
É que ninguém morreu, ninguém morreu por mim.

Não quero nada,
Não deixo nada, que não tenho nada,
Só tenho o que me falta e o que me basta,
No mais é ficar só,
Eu quero ficar só.

Não adianta,
Não adianta, que não adianta,
Não é preciso, que não é preciso,
Então pra que chorar?
Então pra que chorar?
Quem está no fogo, está pra se queimar,
Então pra que chorar?

Sérgio Sampaio

10 novembro 2010

beijos, blues e poesia

"Eu lembro beijos, blues e poesia.
O sal na pele, você me lambia
E eu dizia: "Oh baby, I love you"

Eu lembro a cara que você fazia
Será que eu lembro o que não existia?
Você dizia: "Oh baby, I love you"

K-sis

eu tive um professor que dizia que a música é a arte mais completa por que "pega o ouvinte por trás"... e eu concordo com ele. há muito tempo ouvia essa musiquinha, mas só entendia o "Baby, I love you". Nada extraordinário, uma das frases em inglês mais repetidas por aí. Mas não era a frase, em si, que me chamava a atenção, era o jeito lânguido daquela voz tão feminina dizer "Baby, I love you". Aí, hoje, conversando com uma amiga numa sorveteria, um sujeito sentou à mesa ao lado da nossa, ligou o celular e ouviu a música umas 3 vezes... aquilo me incomodou de um jeito, que eu não conseguia mais prestar atenção na nossa conversa. e a voz feminina no meu ouvido: "E eu dizia; "Baby, I love you"... Vim procurar a letra e me deparei com essas imagens: "o sal na pele, você me lambia"... quantas músicas dizem essa mesma coisa, mas de maneira vulgar? Eis a diferença!

08 novembro 2010

palavra é afago pra quem quer sublimar uma falta.
qualquer palavra.
mesmo fora do lugar,
mesmo noutro lugar.
a palavra é afago para quem quer ser perdoado.