"o resto é mar. é tudo o que eu não sei contar..."

28 janeiro 2011

sobre o agora



meu momento acontece
agora.
meus dedos não aprenderam
roçar a eternidade.

27 janeiro 2011

Belfagor, o Arquidiabo (ou Fábula do diabo que se casou)



(...)
"Embora assumisse com certa má vontade essa missão, obrigado, contudo, por ordens de Plutão, Belfagor se dispôs a seguir quanto havia sido determinado pela assembléia e a se submeter às condições que haviam sido solenemente estabelecidas por todos. E as condições eram as seguintes: que imediatamente fosse entregue àquele que fosse delegado para essa missão e quantia de cem mil ducados; com esse dinheiro deveria vir ao mundo e, sob forma de homem, escolher uma mulher com quem se casar e viver com ela durante dez anos; depois, fingindo morrer, voltar ao inferno e, pela experiência adquirida, relatar a seus superiores quais eram os ônus e as inconveniências do matrimônio. Foi decidido ainda que, durante esse período, ele estaria sujeito a todas as dificuldades e a todos os males que afligem os homens e que deveria enfrentar a pobreza, as prisões, a doença e todos os demais infortúnios em que os homens incorrem, podendo deles liberar-se unicamente com arte ou astúcia."
(...)

Trecho inicial da fábula do italiano Nicolau Maquiavel (1469 - 1527).

Texto dotado de humor refinado e ácida crítica aos comportamentos humanos, principalmente ao comportamento feminino, por vezes encarado como frívolo, uma visão tipicamente medieval. O mote do conto é o seguinte: foi constatado que todos os homens que cruzavam os portões do inferno tinham em comum o fato de haverem se casado. Casar, portanto, era o motivo pelo qual esses homens foram condenados às chamas eternas. E Belfagor, o Arquidiabo, foi o escolhido para desvendar esse mistério.
A leitura vale a pena!!

25 janeiro 2011

Parabéns, São Paulo!

Há um ano eu estava lá: no meio daquele turbilhão de história viva! A emoção de conhecer uma cidade como São Paulo está em admirar sua beleza contraditória. Como disse Caetano, a cidade é o avesso do avesso do avesso...


um dos monumentos que existem em frente ao Teatro Municipal.


mais um dos monumentos. O maior. "Ao grande espírito brasileiro que conjugou o seu gênio com a itálica inspiração. A colonia italiana no estado de São Paulo. No primeiro centenário da independência do Brasil 7 de setembro de 1922."


artes antiga e nova, lado a lado,complementando-se.




Lá não é o céu que emoldura os prédios. São os prédios que emolduram o céu cinza de chuva e poluição...


A selva de pedras.

"Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas,
da força da grana que ergue e destrói coisas belas,
da feia fumaça que sobe apagando as estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços,
tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva."

23 janeiro 2011

A morte dos amantes



Nós teremos leitos de rosas ligeiras,
E divãs profundos como campa ou mar,
E flores estranhas, sobre prateleiras
Sob os céus formosos a desabrochar.

Depois a queimar luzes verdadeiras
Nossos corações irão fulgurar,
E refletirão as suas fogueiras
Nestas nossas almas, este doce par

De espelhos. Porém por tarde mediúnica,
Iremos trocar uma flama única
Como um longo pranto que é um adeus cruel:

E mais tarde um anjo entreabrindo as portas
Virá reanimar feliz e fiel
Os espelhos foscos mais as chamas mortas.

Charles Baudelaire. (Poema integrante da obra As Flores do Mal, de 1857)
Imagem: A separação. Publicado em Playing With Light, por Rui de Almeida Cardoso, em 2007/01/08.
http://pwlproject.wordpress.com/

21 janeiro 2011

Canção do dia de sempre *




Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Mário Quintana

* Post dedicado ao meu amigo João Araújo que copiou(de memória!) esses versos de Quintana num guardanapo e me deu, em plena manhã de trabalho. Meu amigo, esse seu gesto transformou-se em talismã pra mim. Obrigada!

19 janeiro 2011

sobre a fragilidade dos percursos humanos


Íamos. Separados. Mas íamos. As águas tornaram-se turvas e violentas, ver qualquer perigo sob elas era impossível. A pequena embarcação completou a travessia com o casco rachado, a vela rota, o mastro quebrado. Íamos. Apenas. Marinheiros de última viagem, tontos e perdidos, orávamos por socorro remando cada um para um lado. Estrangeiros de nós. Apartados de nossa bússola e desesperados por atracar em qualquer porto.

Desejos de descoberta e terra firme tornaram-se apenas uma lembrança. Qualquer ilha fantasma nos bastava para atracar. E aquele ranço na boca, a falta d'água, nos secava por dentro. Nem ao menos simples palavras eram ditas. Somente o olhar declarava nossa morte lenta e acelerava o peito, guardião de memórias líquidas.

Terra. Pobre terra à vista. Meu pé nu, pisando o chão, tinha o conforto das fortalezas que se erguem à beira do mar: pedras, grandes e densas árvores alongando-se por toda a praia. Olhei pela última vez a precária embarcação destruída e lembrei de quando embarcamos. Sua fragilidade era visível, não pensávamos preservar nossas vidas. E cegos, adentramos o desconhecido para nos desconhecermos e nos afastarmos da outra margem e voltarmos a ser apenas tu e eu: para seguir teu adiante. Para seguir meu adiante.

Imagem: "Boats" por Valéria Pires dos Santos

http://www.redbubble.com/people/valeriart

17 janeiro 2011

posso escrever os versos mais tristes esta noite


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda
Imagem: Noite estrelada, Vincent Van Gogh

15 janeiro 2011

F. Nietzsche: sobre a guerra

"A guerra sempre foi a sagacidade de todos os espíritos que se ensimesmaram demais, que se tornaram profundos demais; mesmo no ferimento ainda existe poder curativo."

***

"Da escola de guerra da vida. - O que não me mata me torna mais forte."

Fragmentos da obra Crepúsculo dos Ídolos (1888)

sobre a insegurança


"Não seja como a rocha que é dura, parece forte, mas é imóvel e de tanto a água bater se desfaz e se transforma em areia. Seja como a água, que não importa o quanto batam nela, se o tempo está ruim ou não, se a fervem até evaporar, se a congelam, se a prendem etc, sempre permanece água, preenchendo todos os lugares disponíveis, encontrando as saídas mais improváveis, resistindo a tudo, é quase indestrutível. Tão útil e vital, consegue o respeito de muitos, e o desrespeito de outros não abalam sua utilidade e sua força."


http://oshyoga.org/oshyoga/conhecendo-a-si-mesmo/como-lidar-com-a-inseguranca.html

14 janeiro 2011

saudade



naquele túneo escuro,
depois que você se foi,
eu só podia dizer adeus
e tentar decifrar a escuridão
do olhar para trás.

12 janeiro 2011

Travessia



preciso realizar uma travessia em minha vida...
ainda espero o passeio de metrô.
ainda vejo nossas mãos dadas
percorrendo o túnel.
ainda penso na viagem que faríamos.
e sinto falta do teu cheiro.

(quando nos encontrávamos, depois de um dia de trabalho,
quase não nos beijávamos,
mas teu cheiro ficava em mim.
percorria meus braços, meu pescoço, meu colo
e eu voltava pra casa com um pouco de ti.)

ainda ouço tua voz ao telefone
me falando Kafka, Nietzsche, Cioran,
Camus, Foucault... e tua melodia olê, olá
- um samba no meio do gelo.

ainda vejo, em meio as névoas do tempo,
teu olhar tranquilo, calmo, sereno,
indiferente, entediado.
sinto falta dos teus bocejos,
da tua inquietude,
sinto falta de fazer parte
do quadro cotidiano que nós pintamos.

sinto falta do embalo da tua respiração,
da quentura das tuas mãos nas minhas,
das tuas pernas bem feitas,
do teu peito desenhado e moldado ao meu.
e de saber que no fim do dia, apesar do dia,
alguém me esperava. e esse alguém era você.

11 janeiro 2011

sobre lagartas e borboletas



ao olhar assustada uma lagarta, daquelas bem longas, peludas, você nunca imagina que, um dia, ela abrirá as asas. e num impulso de medo, pega o sapatinho de veludo e mata aquela que um dia voaria, espalhando cores.

07 janeiro 2011

Perdoando Deus



"(...) Mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato pra mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato com a mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. (...)"

Trecho do conto de Clarice Lispector, Perdoando Deus, do livro Felicidade Clandestina (1971).

05 janeiro 2011

eu, acostumado a ter nada, não exigia nem o amor que ela derramava no meu telhado, no meu quintal, no meu jardim. lembrava com remorso as últimas palavras ditas no sufoco do choro que embargava a voz. lembrava o rosto dela se perdendo no horizonte, sua silhueta se diluindo na distância. e nada mais.
não esperei, não procurei. não pertencia a mim direcionar os atos dela. nunca pertenceu. ela sempre soube muito bem aonde ir e vir, se quisesse. e eu sabia, sempre soube, refazer-me do nada. continuei andando a passos curtos, lentos, distraídos. nem a lembrança dela me fazia parar de construir meu caminho, mesmo incerto. nem as pragas rogadas com tanta força e raiva naquela tarde quente e vazia.
mas um dia ela resolveu pedir algo que eu nem sabia mais se tinha: aquele amor. aquele amor que um dia houve, ela resolveu voltar e pedi-lo novamente. e como forma de se redimir, me ofereceu favores os mais diversos: seria minha jardineira, se eu quisesse: plantaria novamente os cactos ao lado das roseiras; trocaria todos os dias o papel de parede do computador, inventando novas belas fotografias, me daria sorrisos e beijos aos quatro ventos, no seu abraço me mostraria a paz que um dia houve tão plena, me daria o conforto do silêncio quando a dúvida insistisse em gritar aos nossos ouvidos e se deixaria guiar por minha cegueira.
ainda não sei se cedo aos seus apelos ou promessas, ou se persisto no meu caminho. ainda não sei se poderemos ter presente. acho os verbos no passado tão mais adequados a essa história... a condição é bem mais charmosa do que a prática inútil de reviver a mais bela história já vivida. eu não sei... mas admito que os cactos são bem mais espinhosos ao lado da suavidade das flores. não seria isso a boa convivência?

04 janeiro 2011

Poema



Acho que já postei essa música há algum tempo... Mas um bom texto não cansa os olhos, nem o entendimento.

Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era ainda criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou consolo

Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim

De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

Belíssimo poema de Cazuza na voz de Ney Matogrosso.

insônia




a noite embala minhas pálpebras.
não fosse a chuva já teria adormecido,
mas os pingos me distraem.
meus olhos, meninos,
embalam a noite e subvertem seu torpor.

a insônia nunca foi minha amiga,
mas hoje se personificou em tua lembrança
e se põe aqui, em minha cabeceira,
como forma de não mais fechar meus olhos
e me relegar ao cansaço da luta contra as horas,
que escorrem lentamente por entre as poucas
estrelas que vejo através da janela semi cerrada.

serão estrelas ou simples gotas iluminadas
pela pálida luz do poste?

pergunto-me se essa cumplicidade da noite com meu sono
durará até os primeiros raios do sol
e percebo que durará o tempo que tua lembrança
permanecer em mim.

03 janeiro 2011

contos de fadas II


contos de fadas


"Os contos de fadas são assim.
Uma manhã, a gente acorda
E diz: 'Era só um conto de fadas...'
E a gente sorri de si mesma.
Mas, no fundo, não estamos sorrindo.
Sabemos muito bem que os contos de fadas
são a única verdade da vida."

Antoine de Saint-Exupéry

01 janeiro 2011

vermelho vida



esse sangue escorrendo de tuas intensões,
teus olhos de lágrimas ou fumaça,
o coração que tu desenhas,
o sangue que brota do canto da unha quebrada,
um céu repleto de desejos.
aquilo que se esvai com o tempo,
o desconhecido,
o intangível,
que nasce.

improvavelmente.